Uma das principais descobertas da antipsiquiatria foi perceber que os desequilíbrios emocionais decorrem basicamente de distúrbios na comunicação humana. Existe um defeito na forma de se comunicar e de se relacionar, normalmente utilizado, que leva inicialmente à confusão e, conseqüentemente, à desorganização do pensamento e perda da realidade. Isso muitas vezes acontece desde a infância, quando a criança recebe um tipo de comunicação paradoxal, chamada de duplo vínculo.
A descoberta do duplo vínculo ou double bind surgiu em 1956, através de estudos realizados pelo antropólogo Gregory Bateson no departamento de sociologia e antropologia da Universidade de Stanford em Palo Alto (Califórnia). Este estudo originou-se em 1952 quando Bateson juntamente com sua equipe, decidiram estudar os intercâmbios familiares onde se encontrava inserido o esquizofrênico, mais especificamente sobre suas formas de comunicação, gerando assim, estudos mais profundos sobre a patologia da comunicação (neste caso, o duplo vínculo) que era comum nessas famílias.
Esse estudo, denominado posteriormente como Toward a theory of Schizophrenia (Por uma teoria da esquizofrenia) escrito em apenas 20 páginas foi assinado por quatro grande nomes: Don D. Jackson, J. Haley, J.H.Weakland e G.Bateson. Ele nos mostra a intensidade das inter-relações, mesclando mensagens complexas (verbais ou comportamentais) nos seus níveis lógicos, evidentes ou mesmo mais abstratos (visível somente a um observador atento) que, querendo ou não, passam a interferir no comportamento humano: esquizofrenizado ou não os indivíduos dentro do seu universo interfamiliar.
Isto quer dizer que, dentre as famílias em que existia um esquizofrênico e que foram estudadas, foi descoberto um tipo de comunicação paradoxal, um tipo de comunicação ambígua e que, segundo observações, eram constantes na vida do indivíduo esquizofrênico, passando ele próprio a viver nessa ambigüidade, ele
Próprio a viver seu paradoxo.
A Comunicação Humana – Um pouco de sua teoria
A teoria do duplo vínculo está dentro da abordagem sistêmica da doença mental, isto é, está dentro de uma abordagem que possui uma visão sistemática da origem da esquizofrenia, tendo como base principal a comunicação humana.
Perguntando o porquê de se estudar a comunicação humana, cabe deixar claro que a comunicação é uma condição estritamente necessária da vida humana e da ordem social mais ampla. Desde o início de sua existência, um indivíduo se encontra envolvido num complexo processo de aquisição de regras de comunicação, possuindo apenas uma noção mínima daquilo em que consiste esse corpo de regras.
Muitas teorias da comunicação se restringem a estudar a comunicação como um fenômeno unilateral, isto é, do elocutor para o ouvinte, esquecendo-se que a comunicação se dá num processo muito mais complexo, num processo de interação.
A comunicação é, sem sombra de dúvidas, um dos primeiros fenômenos que promove o relacionamento entre o indivíduo e o mundo. É a primeira condição humana que estará sempre presente nas relações interpessoais do indivíduo enquanto um ser que interage com seu meio social.
Apesar de mudarmos um pouco nossa linha de raciocínio apresentada desde o início deste trabalho, é interessante agora darmos uma breve introdução sobre como funciona, como se dá a comunicação em si, partindo para uma breve introdução da teoria da comunicação sobre seu ponto de vista lógico, matemático e sistêmico.
Observando a estrutura da comunicação humana, podemos dizer que a mesma se dá basicamente através de três áreas: da sintaxe, da semântica e da pragmática; e que estas três constituem o estudo da semiótica (teoria geral de sinais e linguagens).
Destas três áreas, a sintaxe é a que abrange mais os problemas da transmissão da informação. Preocupa-se com o problema de código, canais, capacidade, ruído, redundância e outras propriedades estatísticas da linguagem. Estes problemas são puramente sintáticos e não estão preocupados com o significado dos símbolos das mensagens.
O significado das mensagens é o interesse principal da semântica. É interessante observar que, mesmo que a transmissão semântica dos significados pela sintaxe fosse perfeita, não adiantaria nada se tanto o emissor ou o receptor da mensagem não conhecesse o significado da mensagem enviada. Daí podemos compreender melhor a importância da semântica.
O último dos três é o seu aspecto pragmático (e o mais importante para nós). Constitui-se no fato de que o comportamento humano é afetado pela comunicação. Assim sendo, “os dados da pragmática são, não só as palavras, suas configurações e significados, que constituem os dados da sintaxe e da semântica, mas também seus concomitantes não-verbais e a linguagem do corpo.” A partir dessa fala, podemos dizer que, todo comportamento, não só a fala, é comunicação; e que toda a comunicação, não só através da fala, afeta o comportamento.
Resumidamente, a comunicação se processa então por três partes: Na primeira é passada sinteticamente a informação (sintaxe), depois a informação é decodificada através da sua significação (semântica) e, em último, ela passa a afetar o comportamento (pragmática). Este seria o fluxo normal de uma comunicação bem sucedida, derivando para a idéia que temos de relação ou mesmo de interação.
O estudo da teoria do duplo vínculo nas famílias de esquizofrênicos constitui-se então em um estudo do distúrbio do fluxo normal que a comunicação deveria ter, isto é, a comunicação/mensagem passada é dúbia passando a pôr em dúvida toda a complexidade da comunicação, deixando o fluxo normal da mensagem à mercê de uma comunicação paradoxal.
Comunicação Paradoxal – Introdução ao Paradoxo
Historicamente, há mais de dois mil anos o paradoxo tem fascinado a mente humana e somente agora com o desenvolvimento das áreas da lógica, matemática e epistemologia – e que estão intimamente ligadas ao desenvolvimento da teoria da prova, da teoria dos tipos lógicos e dos problemas de coerência, computabilidade, determinabilidade e outros semelhantes – é que se abrangeu um estudo mais detalhado sobre o paradoxo, demonstrando que existe algo em sua natureza que é de importância pragmática (comportamental) e até existencial para todos nós.
A princípio, “o paradoxo pode ser definido como uma contradição que resulta de uma dedução correta a partir de premissas coerentes”; isto é, numa linguagem mais fácil, o paradoxo é o que se diz de uma preposição ao mesmo tempo verdadeira e falsa, ou que contraria o bom senso, ou ainda que vá de encontro à oposição admitida e coerente. Essa definição pode ser enriquecida pela evocação de idéias colaterais: sarcasmo, ironia, sofisma, antífrase, silogismo, antinomia, ou ainda idéias próximas: má fé, contraverdade, falsidade, ambivalência, hipocrisia, ambigüidade, lugar comum, farsa, etc. Isso concerne tanto à lógica quanto à moral.
Voltando-se para os sistemas lógicos e matemáticos, existem ainda três tipos de paradoxos; cada um correspondendo às três áreas da teoria da comunicação vista anteriormente (sintaxe, semântica e pragmática):
A primeira delas são as antinomias (paradoxo da sintaxe). Para se entender melhor, uma antinomia se define como um enunciado que é simultaneamente contraditório e demonstrável. Como por exemplo nesta fórmula: temos dois enunciados, Ef que significa a negação do segundo, que é Ev. Logo, os dois podem ser combinados num terceiro enunciado, Ek; formando-se assim uma fórmula demonstrável do primeiro paradoxo: Ek=Ef & Ev. Explicando melhor, as Antinomias (Ek) são uma contradição formal, pois nada pode ser uma coisa e, ao mesmo tempo, não ser uma coisa; nada pode ser verdadeiro e falso ao mesmo tempo, em uma só afirmação.
O outro tipo de paradoxo é o que difere das antinomias num aspecto importante: não ocorrem nos sistemas lógicos e matemáticos. Dão-se através de algumas incoerências ocultas na estrutura de níveis do pensamento e da linguagem. São mais conhecidos como antinomias semânticas. Paradoxos existentes na decodificação das sintaxes. Paradoxos encontrados na significação das mensagens.
Este paradoxo é a chave dos estudos da duplo vinculação. São paradoxos que surgem nas interações em desenvolvimento e que passam a determinar os comportamentos. São denominados de paradoxos pragmáticos.
Podemos observar então que, cada um dos processos básicos da comunicação possui uma comunicação paradoxal:
A sintaxe possui paradoxos lógico-matemáticos denominados antinomias.
A semântica possui paradoxos denominados de antinomias semânticas
A pragmática possui seus paradoxos pragmáticos
Isto é, resumidamente, existem disfunções (paradoxos) em cada um dos níveis da comunicação, existem formas que dão sentido dúbio na forma que a mensagem é transmitida (antinomia), na forma em que é entendida (antinomia semântica) e na forma em que afeta o comportamento (paradoxo pragmático)
Esta seria a fórmula representativa de como ocorre a comunicação paradoxal.
A prática do duplo vínculo
Voltando para uma linguagem mais simples, podemos dizer que o duplo vínculo nada mais é que duas mensagens (uma em contraposição à outra) enviadas simultaneamente que, se for utilizada sempre em uma criança (por exemplo), pode conduzi-la à loucura. Trata-se de uma forma de negar e afirmar algo ao mesmo tempo e transmitir isso através do mesmo canal de comunicação (pela fala) ou por canais de comunicação diferentes (fala e expressões gestuais ou faciais).
Esse tipo de comunicação paradoxal utilizada na relação duplo-vinculadora ocasionaria primeiramente uma confusão e, a partir daí seu uso contínuo poderia levar até a loucura. É uma forma usada para confundir uma pessoa que recebe esse tipo de mensagem, tornando-a fraca e dependente.
No entanto, a mais extraordinária e dramática descoberta da antipsiquiatria foi constatar que o duplo vínculo só funciona quando existe uma forte relação afetiva. Ela surge principalmente nas relações familiares e amorosas. Assim, é o amor o instrumento fundamental para a dominação e neurotização dos indivíduos na vida burguesa.
Vejamos um exemplo de uma situação duplo-vinculadora: Uma garota de 19 anos deseja sair de casa e morar separada de seus pais. Ela quer apenas ampliar sua liberdade sem que isso corte o relacionamento com a família. Num diálogo com a mãe ela comunica sua decisão e recebe um duplo vínculo: a mãe lhe diz estar feliz por sua filha resolver separar-se dela e, ao mesmo tempo, não consegue conter as lágrimas ao afirmar isso. Na verdade, está dizendo em palavras ser natural e saudável a independência da filha, mas afirma também pelas lágrimas que isto a fará sofrer muito.
Embora não tenha realmente dito isso, foi comunicado que a independência da filha provoca a infelicidade da mãe. Isso produz um forte sentimento de culpa na filha que, em conseqüência, pode abdicar de seu desejo de liberdade e autonomia. Nesse caso foram utilizados dois canais de comunicação (a fala e a expressão facial) na mensagem duplo-vinculadora. Mas a mãe poderia ter utilizado também (em outro exemplo) apenas um canal de comunicação: “Seu pai vai entender também, como eu, o fato de você não querer mais morar conosco, mas fale com cuidado, você sabe, ele já teve um infarto, ele gosta demais de você...”.
De uma maneira ou de outra, a criança que foi sempre educada utilizando-se o amor (através do vínculo duplo) como instrumento de dominação de seus desejos próprios acaba tornando-se apática, impotente, incompetente ou mesmo louca, assumindo assim seu falso eu, tornando-se uma esquizofrênica.
Neste exemplo houve uma comunicação paradoxal ou duplo-vinculadora, pois não se utilizou uma linguagem direta, sincera e objetiva, afirmando um não ou um sim definitivos. Caso a mãe mostrasse sua opinião clara e sincera não teria sido tão grave, pois haveria um impasse claro. O que prejudica a comunicação é o fato de existir tanto uma como outra possibilidade numa só mensagem. Esse tipo de comunicação paradoxal é constante no desenvolvimento de nossa sociedade burguesa resultando-se assim na confusão que vai deformando, alterando a compreensão dos fatores e modificando seus comportamentos. “Essa é a forma de comunicação utilizada pela família da grande maioria das pessoas que se tornam neuróticas”.
O funcionamento do duplo vínculo
Analisando o exemplo anterior, da filha que queria sair de casa, podemos observar claramente a comunicação paradoxal através da teoria da comunicação. A filha, ao receber a mensagem ambígua da mãe, que concorda (pela fala) e que não concorda (pelo choro), através da antinomia (paradoxo da sintaxe), fica em dúvida quanto ao entendimento da mensagem que recebeu (antinomia semântica) e que, devido a isso é gerada uma confusão do que a mãe queria realmente dizer, ocasionando um comportamento ambíguo: não realizando seus desejos e satisfazendo o Desejo de outros (paradoxo pragmático) ao mesmo tempo.
Para entender melhor como o paradoxo ou melhor, como a mensagem paradoxal gera confusão em um indivíduo, podemos tentar compreender a seguinte mensagem (como por exemplo):
Ao ler essa mensagem, a primeira coisa que vem à mente é uma certa confusão. Depois de ler algumas vezes você pode até pensar que entendeu a mensagem mas no fundo ainda ela está confusa pois, se eu minto e escrevi que tudo o que escrevo é falso, eu minto ou eu não minto? E, se tudo o que eu escrevo é falso e eu digo que estou mentindo, então tudo o que escrevo é ou não é falso? Enfim, são duas mensagens em que uma contradiz a outra gerando confusão em quem a recebe.
Nesse caso em especial ainda, “os sentimentos do ego são postos em questão pelos valores negativos das palavras mentir e falso”
Sendo assim, podemos pensar que, uma criança que recebe sempre uma mensagem duplo-vinculadora de seus pais, um ser que desde as origens do seu desenvolvimento vive sempre numa confusão em seus processos cognitivos tende a se desenvolver fora dos padrões considerados normais pela sociedade, tende a se desenvolver em sua própria confusão através da confusão entre os planos verbais e comportamentais da comunicação.
Os Ingredientes do duplo vínculo
Bateson, Don Jackson, Haley e Weakland descreveram os ingredientes de um vínculo duplo:
Trata-se sempre de relações entre duas ou mais pessoas, sendo uma delas a vítima, aquela que é duplo vinculada.
Essa experiência se repete ao longo da existência da vítima. (não ocasionando traumas específicos).
Emite-se uma injunção primária negativa, combinada de uma ameaça. Como por exemplo: Não faça isso, caso contrário eu o punirei; ou Se você não fizer isso, eu o punirei. Para o duplo vínculo ter seu efeito, sabe-se que as relações devem ter carga afetiva, logo nesse exemplo é enfatizado o caráter punitivo da mensagem apontando uma expressão de ódio ou da cólera, ou ainda “essa espécie de abandono que decorre da expressão, por parte dos pais, de sua profunda confusão”
O quarto ingrediente é uma injunção secundária em conflito com a primeira. Esta injunção encontra-se num nível de abstração mais elevado que a primeira por constituir-se de uma antinomia. Muitas vezes torna-se difícil de descrevê-la pois freqüentemente é transmitida através de uma forma paraverbal, como a modulação da voz, dos gestos ou da postura. De uma forma ou de outra, ela acaba negando a primeira. Ex: Não me encare como responsável por sua punição; ou Não leve em conta minhas proibições.
O ingrediente mais importante está na injunção negativa terciária que proíbe à vítima qualquer escapatória. Para a criança é impossível fugir da relação vital que representam os adultos que a cercam. Por vezes, o bloqueio é substituído pela ambigüidade.
O último aspecto é igualmente fundamental no estudo de situações relacionais concretas.Qualquer reação desencadeada de um
Vínculo duplo gera uma reação emocional (paradoxo pragmático)
Sendo assim, os mesmos autores ainda colocaram os três pontos principais que marcam esse tipo de situação:
A relação em questão é essencial, o que confere um valor vital à compreensão correta da mensagem.
O protagonista que aplica o vínculo duplo emite duas espécies de mensagens contraditórias.
A vítima se acha incapacitada de metacomunicar-se, de comentar ou de pedir esclarecimentos quanto às mensagens recebidas.
Resultante destes ingredientes, surgiram dois postulados básicos: o primeiro diz que a situação pode desempenhar um papel significativo na etiologia e nos sintomas clínicos das esquizofrenias e a segunda diz que a primeira se constitui no cerne da relação familiar, bem antes do aparecimento da doença.
Na relação do duplo vínculo com a esquizofrenia é interessante observarmos que um sujeito que se vê confrontado com essas injunções paradoxais, quando a revolta lhe é impossível e quando uma resposta lhe é exigida, o modo mais direto de reação consiste na expressão metafórica, ou seja, simultaneamente, que possa ser interpretada de maneiras múltiplas (antinomia semântica), resposta essa tão paradoxal quanto a injunção paradoxal. Os sintomas de esquizofrenia então, seguindo essa teoria sistêmica da doença mental são, da mesma forma, modos diferentes de respostas analógicas ambíguas e de respostas sem respostas.
Sendo assim:
O esquizofrênico se identifica como um indivíduo não identificável. Suprime não apenas o sentido das palavras e das frases nas trocas, mas também os sinais comportamentais que indicam em que contexto afetivo se situam essas mensagens. Pode até mesmo retirar-se por completo da relação, negando sua própria presença.
Encontramos assim as três grandes formas clínicas de esquizofrenia, segundo o estudo da comunicação. Na forma paranóide, é solicitado ao imaginário privado, contendo imagens, mitos e palavras que chegam até a criar uma ruptura com o imaginário coletivo, apesar de manter o vínculo inicial com ele. Na herbefrênica, a resposta afetiva a outrem é feita sob a forma da ambivalência, mesclando-se a intensidade relacional com a frieza e a hipersensibilidade com a habitual diferença. A catatônica, coloca o distúrbio das relações no nível comportamental: um rosto que não reage ao contato, o retraimento e o mau humor patológico, a rigidez cérea, etc.
Colocando um indivíduo no duplo vínculo
É fácil observar a manipulação constante da distância relacional nas famílias em que há um esquizofrênico, basta analisar as condutas de aproximação e afastamento das mesmas.
Vejamos um exemplo.
A mãe de um jovem esquizofrênico foi ao hospital visitar seu filho, que estava em franca recuperação após um episódio psicótico agudo. O doente apareceu feliz por reencontrar sua mãe. Acolheu-a com espontaneidade e colocou o braço ao redor de seus ombros. A mãe fez imediatamente um movimento de recuo. O doente retirou o braço e disse-lhe a mãe: Você não gosta mais de mim? O doente ruborizou-se e ela acrescentou: Querido, você não deve deixar-se incomodar e assustar tão facilmente por seus sentimentos. O doente ficou mais um minuto com a mãe e, pouco depois, agitou-se, agrediu um enfermeiro e precisou receber tratamento.
Analisando-se a situação podemos dizer que: a mãe apresenta um comportamento afetivo positivo, uma oferta ou uma aproximação; a criança responde, reduzindo a distância.
A mãe exibe então, por um movimento de recuo, seu temor de uma relação excessivamente íntima. Ao mesmo tempo destrói o sentido de sua mensagem, seja negando o próprio afastamento, seja questionando o gesto da criança em relação a ela e o sentido que poderia ter.
Logo, podemos dizer que, uma manipulação eficaz consiste não
Somente duplo vincular mas também pôr em dúvida a experiência íntima da criança, como por exemplo: Vá deitar-se, você está muito cansado. A mãe confunde os sinais de sua própria fadiga por detrás de uma definição da vivência da criança, em nome do afeto que lhe dedica.
Esse tipo de mensagem ainda tem muitos outros exemplos, tais como: Você realmente não pensa assim; ou Você me entende, não é?; Ou ainda Você não deve sentir vergonha. A ambigüidade de tais mensagens depende do tom, do contexto, da rejeição dos comentários etc., ou seja, depende enfim da introdução de diversas negações e denegações, desconfirmações e desqualificações em mensagens de aparência simples.
“A criança cresce na impossibilidade de comunicar algo sobre a comunicação, o que tem como resultado a incapacidade de determinar o que as pessoas querem realmente dizer e a incapacidade de exprimir o que ela própria quer dizer”.
No caso do recebimento de um duplo vínculo, como já dito anteriormente, a criança-vítima, por sua vez, adquiriria muito cedo um modo de comunicação ambígua e passaria a aplicar também o duplo vínculo, isso, pensando em um nível psicoterapêutico, poderia contribuir para a dificuldade da relação psicoteráptica com o esquizofrênico, capaz de colocar seus terapeutas na incerteza das pseudo-relações.
Colocando-se no ponto em que o duplo vínculo é recebido, como no exemplo do triângulo anteriormente (eu minto; tudo o que escrevo é falso) ou em outra mensagem dúbia qualquer, podemos dizer sem sombra de dúvidas que é impossível responder a mensagens duplas e contraditórias, é impossível metacomunicar-se:
Sendo afetivamente importantes, essas mensagens recebidas determinam uma sucessão de tensões: falha na análise lógica das mensagens, confusão subjetiva e distúrbios do pensamento, fala ou ações que manifestam o desarranjo. Isso cria uma resposta incompleta ou globalmente inadequada, que irá determinar, em contrapartida, uma resposta que a condene.
Duplo Vínculo e a fabricação da loucura – síntese
Podemos dizer então que a visão da origem da esquizofrenia da
Antipsiquiatria vai contra a abordagem organicista da doença mental proposta desde o princípio pela psiquiatria, colocando-se então o universo relacional do indivíduo como uma de suas possíveis causas das enfermidades mentais.
Sendo assim, um indivíduo que é duplo vinculado durante sua vida inteira – colocando sua existência em questão - e não tendo uma visão certa de seus sentimentos e dos sentimentos dos outros, tende a ficar permanentemente confusa ao ponto de se tornar louca ao longo de seu desenvolvimento.
O duplo vínculo existe hoje na maioria de nossas famílias e em nossas relações, principalmente por estarmos vindo de um regime militar (aqui no Brasil) chamado de ditadura e que, segundo João Francisco Duarte Junior esse regime acaba por influenciar a família que, por sua vez, também se torna ditadora. Algumas é que são muito rígidas e repressoras e controlam a vida de seus filhos ao ponto dos mesmos não saberem distinguir quem são ou o que os outros querem que eles sejam.
Sendo assim, na maioria dos casos, preferindo ser o que os pais querem que eles sejam (deixando seus desejos de lado) a fim de não perderem o amor dos mesmos e o que é pior, não serem punidos.
O duplo vínculo é passado de gerações a gerações quase que despercebido pela própria família, segundo Roberto Freire, só se torna um duplo-vinculador um indivíduo que foi duplo vinculado.
Mas, podemos analisar também outro lado desta patologia da comunicação que, de certa forma, mostra que a ambigüidade algumas vezes também é necessária: sem ela, a vida não seria mais que uma troca interminável de mensagens estilizadas, um jogo repleto de regras rígidas, monótono e desprovido de surpresa e humor.
CONCLUSÃO
A antipsiquiatria, apesar de sua forte crítica, não descarta a existência de determinados desvios do comportamento ocasionados por problemas físicos (orgânicos), como por exemplo as doenças mentais causadas pela epilepsia, pela sífilis e pelos tumores no cérebro (entre outras). Minha conclusão a princípio é igual a uma velha conclusão sobre uma antiga questão da psicologia: O que mais está presente na constituição do indivíduo, sua hereditariedade ou o seu meio social? A mesma coisa ocorre neste estudo, o que gera realmente a esquizofrenia, fatores psicoquímicos (orgânicos) ou o meio social (duplo vínculo)? Em ambas as respostas, podemos dizer hoje que, tanto uma como a outra são estudos amplamente interessantes e discutíveis mas que devemos ter em mente ambas as teorias. Isto é, tanto uma como a outra estão certas, logo poderíamos dizer que o homem é constituído 50% através de sua hereditariedade e 50% constituído através do seu meio social, assim como a origem da esquizofrenia pode ser 50% orgânica e 50% social.
Pra que esse estudo então? Bem, este estudo me proporcionou (e espero que pra você também) uma maior atenção na comunicação humana. Hoje em dia é fácil observar indivíduos do cotidiano que aplicam o duplo vínculo em outras pessoas. Quantas vezes alguém lhe disse que está bem quando na verdade você percebe no tom de voz que não está nada bem? Pois é, aí já se encontra um duplo vínculo e que, se você tivesse um vínculo muito forte com essa pessoa a resposta ambígua dela lhe seria preocupante. Ao questionar o porquê do estudo da antipsiquiatria e do duplo vínculo dentro da Somaterapia de Roberto Freire, descobri também que, o duplo vínculo é a principal arma de dominação nas relações interpessoais e através das descobertas de seus mecanismos, na descoberta de quem está ou não duplo vinculando é que se está livre desta manipulação. O Soma ao trabalhar com indivíduos enfatiza a sinceridade nas relações humanas, pois é muito melhor ser sincero, dizendo um não do que transmitir uma mensagem dúbia (um sim e um não ao mesmo tempo, isto é, um sim em forma de não e um não em forma de sim).
Pra finalizar, vale a pena dizer mais uma vez que, “(...) quando uma pessoa recebe um duplo vínculo de outra sem que haja um componente afetivo, essa comunicação não surte efeito. Ele só causa confusão e culpa quando existe a ameaça subjetiva da retirada afetiva”.
BIBLIOGRAFIA
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BOSSEUR, Chantal. Introdução à antipsiquiatria. Rio de Janeiro, Zahar, 1976
COOPER, David. Psiquiatria e Antipsiquiatria. São Paulo, Editora Perspectiva, 1967
COOPER, David. A morte da Família. São Paulo, Editora Marins Fontes, 2º ed., 1986
FALCÃO, Daniela. Tá todo mundo louco... São Paulo, Revista da Folha, ano 6, nº. 299. 1998
FREIRE, Roberto e MATA, João da. Soma – Uma terapia anarquista. São Paulo. Vol.3, 2º ed. Sol e Chuva. 1993
GRANDINO, Adilson e NOGUEIRA, Durval. Conceito de Psiquiatria. São Paulo, ed.Ática, 1985
JACCARD, Roland. A loucura. São Paulo, 1º ed., Zahar Editores S.A., 1981.
JUNIOR, João Francisco Duarte. A política da loucura – a antipsiquiatria. Campinas, ed.Papirus, 1983
PRADO, Danda. O que é família. São Paulo: Brasiliense, 1981 (Primeiros Passos, 50).
WATZLAWICK, Paul e BEAVIN, Janet H. e JACKSON, Don D. Pragmática da comunicação humana: um estudo dos padrões, patologias e paradoxos da interação. São Paulo, Ed.Cultrix, 1967
Parabéns pelo artigo Marcos. Muito didático e esclarecedor, mesmo para um leigo como eu.
ResponderExcluirAcredito que fui vítima de uma duplo-vinculadora sem sabê-lo (e sem que ela o soubesse). Suas mensagens sempre dúbias acerca de sentimentos pareciam sempre fora da realidade para mim, embora fosse visível que ela não estava sendo desonesta comigo.
Criada em um ambiente de esquizofrenia evidente, ela herdou isso da mãe.
Lamento por não poder ajudá-la, mas por estar sentimentalmente envolvido, eu mesmo me senti perdendo as rédeas da razão.
Excelente trabalho. Devemos resgatar o estudo do duplo vínculo porque apesar de sua importância parece passar despercebido no campo da psicologia. Algo se vê na linha de Análise Transacional e para por ai. Gostaria de discutir este tema em um foro cibernético. De todos modos aqui vai o meu e-mail: soberg@terra.com.br.
ResponderExcluirGostei muito deste artigo. Faz todo o sentido. Gostaria de saber mais.
ResponderExcluirMeu e-mail: mhmorgado@gmail.com
O texto é interessante, mas apontar como solução para problemas de duplo vinculo o uso da sinceridade me parece superficial e que não leva em consideração a complexidade de tais relações. A questão é que, em minha opinião, as pessoas não conseguem perceber que não estão sendo sinceras. Quando você cita o exemplo da mãe, que diz estar feliz pela busca de liberdade da filha, mas que antagonicamente chora, ela não se dá conta de seu próprio conflito interno, que se expressa de forma ambígua. Ela não tem condições, naquele momento, de agir de outra maneira, porque seus sentimentos estão confusos. Talvez ela oscile entre o medo de ser egoísta, medo de se distanciar da filha, vontade de ver sua felicidade enfim, muitas coisas acontecem nesse momento que a impedem de se expressar de maneira mais adequada. E talvez, se alguém dissesse a mãe que ela não está sendo sincera, ela se sentisse tremendamente injustiçada, pois dentro de seu universo, ela está sendo o mais sincera que pode para aquele momento e condições emocionais.
ResponderExcluirAgora entedi porque todos nós somos loucos,lógico que uns mais outros menos,mas todos loucos!
ResponderExcluirAgora entedi porque todos nós somos loucos,lógico que uns mais outros menos,mas todos loucos!
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