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terça-feira, 6 de julho de 2010

CARTAS DE UM ESQUIZOFRÊNICO A UM AMIGO

Meu caro Renato,
Fico-lhe muito agradecido pela visita do final de semana. Não pude responder todas as suas indagações em relação à clínica devido ao pouco tempo reservado à visita; por isso estou lhe escrevendo.
No dia seguinte a sua visita, fomos transferidos à nova ala da clínica. Fica no fundo do edifício, com portas para o corredor, por aonde se vai ao pátio. Mas não foram todos os internos, somente os residentes crônicos.
Na antiga ala, do lado oposto a nossa, ficou os residentes temporários. Os temporários são aqueles pacientes que os médicos dizem ter possibilidades de cura. Na maioria são os depressivos e os portadores de traumas psíquicos.
Os esquizofrênicos como eu e alguns outros são os residentes crônicos tratáveis; os outros crônicos são apenas apaziguados em suas loucuras. Estes estão internados para sempre. Nós os tratáveis, somos como bola de pingue-pongue, vamos para casa, mas a temporada é sempre curta, e voltamos para uma longa aqui.
Alguns crônicos têm certos privilégios, como eu tenho de ter lápis e bloco para escrever; para outros, um lápis estaria, em muito pouco tempo, inteiramente mastigado. Os crônicos também estão divididos em “caminhantes” - como eu - e “vegetais” - os que deixaram de caminhar. Estes permanecem imóveis, mudos, sem um gesto, encostados as paredes ou sentados e sepultados até os ombros nos sofás, poltronas e cadeiras; como se todos fossem sombras do nada! Nada do nada! Na verdade, a maioria de nós não passa de máquinas com defeitos internos que não podem ser reparados. Defeito provocado em alguma parte da gestação ou da vida.
Há alguns residentes crônicos em quem “eles” cometeram uma série de erros há anos. Como o professor Ari que era apenas um depressivo e foi definitivamente danificado quando eles carregaram demais naquela sala, no subsolo da clinica, que chamamos de “O Inferno de Dante”. Agora ele vive encostado à parede, no mesmo estado em que eles o tiraram da mesa pela última vez, com o mesmo terror no rosto. Fica assim, pregado a parede como um troféu empalhado. Os enfermeiros o levam quando está na hora de comer ou de ir para a cama; ou, então o mudam de lugar para que possam limpar a poça que ficou no lugar que estava. Houve outro que estava incomodando demais, chutando e mordendo os internos; saiu de lá com os olhos cinzentos, esfumaçados, vazios. Agora ele não faz outra coisa o dia inteiro senão segurar uma velha fotografia que de tanto manuseá-la ficou gasta dos dois lados, de forma que não sabemos o que é, ou o que era.
Atualmente, o tratamento por choque, em geral, são bem sucedidos; os “eletricistas” adquiriram mais habilidade e experiência. Mas quem quer que entre lá, sai a coisa mais doce, mais boazinha, mais bem comportada que já se viu.

Bem, por aqui vou fazer ponto, em outra lhe explico as outras indagações.

Receba um forte abraço do velho amigo Maluco Beleza

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